A árvore da vida, de Terrence Malick

22-09-2011 14:15

 

Rafael Carneiro Rocha
Especial para O Popular
21-09-2011
Análise do filme
A árvore da vida, de Terrence Malick

 
 
 
“Uma coisa pode ser muito triste para ser crível ou muito má para ser crível ou muito boa para ser crível; mas ela não pode ser tão absurda para ser crível, neste planeta de sapos e elefantes, de crocodilos e peixes-espada”. Belíssima esta frase do filósofo inglês G.K. Chesterton. Só é possível compreender o espetáculo da criação se houver, inicialmente, algum espanto. A contemplação é a forma mais perfeita da dúvida.
“A árvore da vida”, filme de Terrence Malick, só poderá ser compreendido se for contemplado. É uma obra sobre o espetáculo das coisas criadas, que parte das imagens do mundo para responder às dúvidas de seus personagens. É possível acreditar que existe sentido para todas as coisas, até para o mais doloroso dos sofrimentos, neste planeta onde existem crocodilos e peixes-espada; ou onde já existiram criaturas tão absurdas como os dinossauros, conforme o filme revela em cenas de uma admirável liberdade artística, que só um cineasta muito consciente da necessidade do espanto poderia conceber. No filme “Além da linha vermelha” (1998), a primeira imagem que Malick revela é a de um crocodilo em submersão. O cinema de Malick se deixa espantar pelas criações do mundo natural assim como a filosofia de encantamento de Chesterton.
Na abertura de “A árvore da vida”, em letreiros, o filme cita o personagem bíblico Jó, aquele que perguntava onde está Deus no mundo que permite o sofrimento; porém, aquele sofredor também é indagado sobre onde ele estava quando a terra foi fundada. O mundo e o destino não são propriedades criadas pelos indivíduos e, partindo desta ideia do Livro de Jó, o filme conta a história de uma família americana na década de 1950, formada por um pai rígido, uma mãe graciosa e três meninos.
A vida cotidiana da família é captada por uma espécie de câmera transcendente, que costuma se deslocar pelo quadro em busca de um personagem até então escondido, ou de uma ação que renova o sentido da cena. A câmera de Malick se movimenta para descobrir os primeiros contatos dos garotos com o encantamento, a tristeza, a rebeldia e o arrependimento.
O pai, vivido por Brad Pitt, é capaz de ferir e de ser ferido pela crença de que o mundo pode ser inteiramente controlado pela vontade humana e que a única ascensão existencial é aquela causada pelas obstinações dos self-made-men. Porém, do mesmo modo que Jó não criou o mundo, nenhum homem pode almejar toda a autoria pelo destino e aquele pai de família só terá alguma paz depois de experimentar as lágrimas da criação, ou seja toda a sorte de acontecimentos que escapam da nossa vontade, mas que fazem parte da verdade do mundo.

Mas o fato é que “A árvore da vida” não se encerra como uma lição de moral fácil de ser aprendida. A dor humana continua pelas gerações e, no futuro, será o filho daquele pai que terá o espírito tensionado pelas dúvidas existenciais. Este filho, na vida adulta interpretado por Sean Penn, caminha amargurado por entre prédios modernos e paisagens desérticas, onde ouvimos sua voz em off questionar sobre o sentido do sofrimento. O deserto é o mesmo em todos aqueles lugares, mas mesmo na aridez geográfica ou de uma grande corporação, é possível o encontro do homem consigo mesmo. O deserto também é o lugar onde o Filho do Homem se isolava para rezar e também onde as dúvidas se tornam oração. O “por que me abandonaste” é mais religação do que lamento.
“A árvore da vida” evoca explicitamente o fator religioso, num grau de realismo aristotélico e escolástico diferente das filosofias modernas que sustentam o mundo como possibilidade inerente ao pensamento. Malick, que já foi professor de filosofia no Instituto de Tecnologia de Massachussetts (MIT), faz um filme filosoficamente apaixonado pela descoberta do mundo – não como uma ideia criada pelo nosso subjetivismo, mas como um espetáculo de uma alteridade que não sinaliza o cogitocartesiano (“penso, logo existo”) como primeiro fundamento filosófico.
Cinematograficamente, é uma opção delicada, sendo esta a única e pequena ressalva que, particularmente, faço ao filme. Por vezes, a paixão filosófica de Malick pelo mundo criado sobrecarrega o filme de autoimportância e, quem sabe, de um sentimentalismo que um olhar mais cínico poderia comparar com os produtos banais da autoajuda. Eu discordo de que exista essa banalidade em “A árvore da vida”, mas o risco é iminente. Por outro lado, filmes de diretores como John Ford, Roberto Rossellini, Eric Rohmer e Manoel de Oliveira demonstram com serenidade a beleza do mundo sem que insistam demasiadamente no sentimentalismo religioso, algo mais próximo do realismo greco-medieval do que o filme de Malick. Na dramaturgia daqueles cineastas católicos, de obras profundamente faladas, os diálogos servem menos para contar uma história do que para ser o verbum que aponta para a realidade do mundo criado. Porém, no caso de Malick, a dramaturgia frontal dos atores é muitas vezes substituída pelo artifício não necessariamente realista das vozes em off, que variam entre preces e indagações.
De qualquer forma, a insistência filosófica de Malick pode se justificar pelo modo como o filme pede a participação do público. No caso de “A árvore da vida”, ter dúvidas sobre os significados do filme faz parte da mesma curiosidade filosófica que instiga as perguntas sobre o sentido da morte e do sofrimento. A reclamação do público que não compreende “A árvore da vida” é como o caminhar no deserto do homem em crise vivido por Sean Penn. Se em algum momento da modernidade trocamos a complexidade do encantamento pelas coisas prontas do pragmatismo, qualquer coisa que peça a generosidade do olhar nos deixará aborrecidos e confusos. É um estado crítico de vida onde, como diria o cientista e filósofo francês Blase Pascal, se nos retirassem as diversões, estaríamos a “secar de tédio”, porque acostumados com barulhos e evasões, já não sabemos como nos contemplar. Porém, para quem quiser ver de verdade, o filme de Malick é uma resposta espetacular ao estado aborrecido do mundo.
 

 

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