As Diferentes Dimensões Da Mídia-Educação[1]
Maria Luiza Belloni
São as seguintes as dimensões a considerar para melhor compreender as relações sociais e os nexos teóricos entre mídias e educação:
1ª dimensão:
Concepção sócio-política da tecnologia, que se opõe à concepção sócio-técnica característica da atual sociologia americana (anglo-saxã). Significa uma abordagem sociológica da relação entre tecnologia (concebida como um processo social) e outros processos sociais, tais que educação, cultura, comunicação, política, interações sociais, etc. Tal abordagem sociológica está orientada para a mudança social, no sentido em que busca compreender e explicar o fenômeno estudado, considerando suas possibilidades de transformação, sem deixar de considerar suas estruturas estruturantes que, embora sejam fatores de estabilidade e permanência, são permeados de contradições e conflitos geradores de possíveis mudanças. Em nosso campo, mudança significa, evidentemente, melhoria da qualidade da educação ofertada pela sociedade a todos os indivíduos, especialmente aos jovens e crianças e àqueles mais desfavorecidos. No caso específico da mídia-educação, mudança significa inclusão/acesso de todos a todas as tecnologias, numa perspectiva crítica e criativa, de uso dos objetos técnicos mais sofisticados (tecnologias da mente, de informação e comunicação) como ferramentas de emancipação do ser humano, ou seja, de construção da cidadania contra a lógica industrialista e instrumental do capitalismo globalizado. Esta perspectiva implica a compreensão das técnicas como ferramentas a serviço da criatividade e capacidade de trabalho e de organização social dos indivíduos: No caso das TIC, isto significa considerá-las como ferramentas de interação social numa concepção comunicativa, que se opõe à ação estratégica/instrumental típica do mercado.
2ª dimensão:
Abordagem da sociologia da infância, que prioriza a compreensão dos diferentes usos e interpretações que os jovens sujeitos fazem destas técnicas, em oposição ao estudo da produção e do discurso das mídias. Significa incluir o estudo das TIC em uma abordagem sociológica da infância, com ênfase numa sóciopolítica dos usos, que considera a educação como parte do processo mais amplo de socialização, e a criança como sujeito prioritário da educação, sem cuja compreensão é impossível avançar na transformação da sociedade. Isto implica conhecer os diferentes modos de uso que os jovens e as crianças (como os adultos) fazem destas TIC que, é preciso não esquecer, já fazem parte de seu (deles) cotidiano, com diferentes graus de intensidade, segundo as classes sociais. Para tal é preciso ouvir, estar atento, criar metodologias de pesquisa que permitam compreender as representações, as interações e as aprendizagens geradas no uso destas máquinas maravilhosas. É preciso considerar as interações das crianças e jovens com as mídias a partir de duas dimensões inseparáveis, distintas apenas analiticamente, que podemos nomear como forma e conteúdo destas ferramentas ou mídias. A compreensão das mídias como meios poderosos de socialização e de controle social é crucial para qualquer intervenção educacional relacionada a seu uso pedagógico. Como corolário, do ponto de vista do processo de socialização, é importante aprender com as crianças e os jovens, os modos como eles aprendem, percebem, reelaboram e o que eles aprendem.
3ª dimensão:
A utilização educacional das TIC, ou seja, a integração destas novas tecnologias aos processos educacionais, de modo criativo e crítico, pode ser vista como único caminho para minimizar o fosso técnico, estético e ético existente entre as novas gerações e as antigas, especialmente a escola, que vem se tornando totalmente obsoleta a ponto de ser considerada como supérflua por alguns grupos de jovens. Por que integrar as TIC à escola? A incomunicação existente entre os jovens e seus educadores é provavelmente uma das principais causas da perda de prestígio e de importância da escola como instituição de socialização. Esta incomunicação tem muito a ver com as novas linguagens, valores e gostos assumidos pelos jovens a partir de suas aprendizagens com a TV e outras mídias, que são completamente ignorados e desvalorizados pela instituição escolar. Como integrar? Este é um campo novo (de conhecimento e de práticas pedagógicas) que precisa ainda definir seus limites e critérios, uma discussão que vem sendo realizada por especialistas de muitas áreas, em muitos fóruns nacionais e internacionais (Belloni, 2002 a). Neste campo em construção, já podemos observar duas vertentes importantes: i)a primeira reúne estudos, pesquisas e experiências voltadas para o uso das tecnologias como ferramentas de ensino e aprendizagem (relacionada a uma disciplina na formação de educadores: comunicação educacional); ii) a outra vertente, que podemos chamar mídia-educação, refere-se a um conjunto bastante heterogêneo de trabalhos teóricos e práticos sobre os conteúdos das mídias (com ênfase nas mídias de massa) e suas influências sobre crianças e jovens, considerados como objetos de estudo. Estas duas vertentes, que vimos identificando há anos como as duas dimensões necessárias à integração das TIC aos processos educacionais, se referem aos componentes de qualquer mensagem midiática: elementos estéticos ou de linguagem, relativos às regras da arte de compor estas mensagens, de um lado; e, de outro, os elementos éticos , de valores, representações, informações, opiniões, relativos aos conteúdos explícitos e implícitos de toda mensagem.
4ª dimensão:
Mídia-Educação ou as mídias como objetos de estudo e reflexão Experiências e estudos relacionados a esta dimensão da integração das novas tecnologias aos processos educacionais consideram as mídias, suas mensagens e seus conteúdos como objetos de estudo, analisando, com os públicos jovens, sujeitos dos processos de comunicação e de educação, as significações produzidas pela indústria cultural e as apropriações e reelaborações que delas as pessoas fazem. Um dos aspectos mais importantes da mídia-educação refere-se à leitura crítica da informação, com numerosas experiências muito bem sucedidas no mundo todo. Por exemplo, o CLEMI na França, organismo do Ministério da Educação que forma professores e organiza atividades com os alunos como a Semana da Imprensa na Escola ; ou O Público na Escola , iniciativa do Jornal O Público de Portugal, experiências que visdam desenvolver o espírito crítico e formar o leitor de jornais e espectador de tele-jornais. Todos os conteúdos -- e não só as notícias sobre a atualidade (que comumente chamamos informação ou noticiário ), que tratam da realidade, relatando-a de certo modo e opinando sobre ela -- devem ser objeto de estudo dos alunos de uma escola que pretende fazer mídia-educação. Assim, os programas de ficção dirigidos a todas as idades são estremamente importantes para o processo de socialização, e sua leitura crítica (visando sobretudo a desenvolver a capacidade de distanciamento e análise, mas também pondo em evidência os preconceitos, estereótipos e as manipulações) é fundamental para a formação do cidadão.
5ª Dimensão:
Dimensão ferramenta : refere-se ao como integrar , ou seja, aos modos de utilização educativa das mídias. Como integrar as TIC nos processos educacionais formais, em diferentes situações de aprendizagem, na escola ou em outros espaços educacionais. A utilização de TIC na educação se beneficia dos avanços ocorridos na produção de materiais educacionais para o ensino a distância. Pode-se observar grandes avanços nesta área, ligados aos aspectos propriamente técnicos e formais na produção de mensagens educacionais , que têm características próprias, diferentes de mensagens jornalísticas de ficção ou publicitárias, por exemplo. Trata-se de aprender e ensinar as regras da arte da produção de mensagens utilizando todas as mídias, do mesmo modo que se aprende e ensina as regras da gramática da linguagem verbal. Trata-se considerar as mídias desde o ponto de vista da linguagem específica de cada veículo técnico, sem perder de vista os aspectos sócio-econômicos decorrentes do contexto do capitalismo globalizado. Para tal é preciso produzir conhecimento novo sobre o assunto, considerando que trata-se de um campo novo, interdisciplinar e extremamente complexo. E, evidentemente, é crucial formar professores e pesquisadores capazes de alizar esta integração das TIC ao cotidiano da escola.