Entrevista Opção - Thiago Peixoto

20-09-2011 16:04

 

Um plano  muito bom, pelo menos no papel. É o que constata qualquer um que tome contato com o projeto de reforma educacional elaborado  pela Secretaria da Educação de Goiá. À frente dos trabalhos, Thiago Peixoto, que abriu mão de exercer o mandato de deputado federal para assumir a pasta, a convite do governador Marconi Perillo. O perfil, a priori, não poderia ser mais indicado: Thiago tem formação econômica — graduado em Economia pela PUC-SP —, administrativa — pós-graduado em Gerenciamento de Projetos pela Universidade da Califórnia (EUA) — e um grande envolvimento com as questões educacionais. Para um Estado que se encontra em crise financeira como saldo de uma administração bastante questionada, talvez não houvesse alguém mais talhado para a função.

Como secretário da Educação, Thiago lançou na semana passada um projeto que ele mesmo considera que “não é popular” e é “polêmico”: uma reforma educacional com ideias pescadas de iniciativas em vários Estados do Brasil — inclusive Goiás — e em países bastante diversos, como Chile, Irlanda, Cingapura e Estados Unidos. A partir delas, foi organizado um plano para o setor que nenhuma rede estadual de ensino implantou até hoje, ressalta o deputado. São metas que abrangem da questão da carreira do professor à infraestrutura da escola, passando por itens como merenda, segurança e computadores e conceitos como meritocracia, incentivo e competência.

Como suporte financeiro a tudo isso, R$ 600 milhões em três anos, ou seja, R$ 200 milhões anuais. A verba, ele garante, virá dos próprios recursos, por meio de uma racionalização dos gastos. Utopia? Não no projeto do secretário. “Não quisemos inventar a roda, só descobrimos o que tinha de melhor acontecendo dentro e fora do País.”


Herbert de Moraes Ribeiro — Como vocês chegaram aos dados que embasam essa proposta de reforma educacional lançada na semana passada?

O primeiro ponto é o diagnóstico, saber por que é necessária a reforma. É necessária porque os resultados na educação em Goiás são muito ruins, apontados pelos índices educacionais que temos no País, em especial o Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, criado em 2007 para medir a qualidade de cada escola e de cada rede de ensino]. Alguns dados chamam muito a atenção e o primeiro é a proficiência na aprendizagem. Em matemática, 91% dos alunos que terminam o ensino médio na nossa rede não têm conhecimento básico da matéria; 73% não têm conhecimento básico de língua portuguesa. São alunos que ficaram 12 anos na escola, completaram o ensino médio e saíram sem o conhecimento básico. Se continuarmos nesse caminho não teremos resultados.

Herbert de Moraes Ribeiro — É uma doença de longo prazo, deste governo e do governo passado...

Eu diria que já temos algumas vitórias de curto, de médio e teremos outras de longo prazo.

Herbert de Moraes Ribeiro — Já teve vitórias? Já estamos no nono mês de governo.

Já tivemos algumas, porque do ponto de vista econômico, vemos essa questão no longo prazo. Educação só vai ser resolvida no longo prazo, mas para o aluno, um dia de aula bem dada conta, uma aula conta. Então se nestes oito meses já conseguimos alterar essa rotina, entendemos que já é uma vitória no curto prazo. Outro dado importante nesse diagnóstico, é que no ranking nacional, nosso Estado teve queda. Outros Estados nos ultrapassaram. Temos que corrigir essa curva. O plano em si, onde fomos buscar essas iniciativas. Primeiro, percebemos que existem boas escolas em vários lugares, tanto em Goiás quanto em outros Estado e outros países. O grande desafio é transformar essas boas escolas em um bom sistema educacional. Fomos ver o que havia de melhor no mundo, sempre olhando se está dando resultado para o aluno ou não, ele está aprendendo mais ou não? Descobrimos coisas boas em Goiás, em Pernambuco, em São Paulo, Ceará, em outros países, principalmente no Chile, na Irlanda e Cingapura. Também nos Estados Unidos buscamos algumas ações interessantes. Buscamos o que havia de melhor e que era possível implantar em Goiás e lançamos essas diretrizes. Mas isso só vai ter sentido se for validado pela comunidade escolar e pela sociedade. O que lançamos são os pilares de 25 ações, e vamos percorrer o Estado inteiro discutindo isso com a comunidade escolar e com a sociedade em geral, validando esse plano, ouvindo críticas, colhendo sugestões para depois ter um plano consistente. É importante dizer que hoje, nacionalmente, nenhum Estado tem um plano de reforma educacional consistente. Há boas iniciativas, mas nada que pensou o todo. Nós não quisemos inventar a roda, só descobrimos o que tinha de melhor acontecendo dentro e fora do País e estamos fazendo um plano sólido.

Herbert de Moraes Ribeiro — No anúncio da reforma, o sr. diz que em tese já existe a verba de R$ 600 milhões, que é o custo desse plano. Como se chegou a esse valor e o que significa verba “em tese”?

Um dos diagnósticos feitos foi o de gestão, especialmente o financeiro. Localizamos na secretaria hoje um potencial de economia de R$ 200 milhões por ano. É um volume de recurso suficiente para implementar o plano. Um dos pilares principais é exatamente a melhoria da gestão, gastando melhor o recurso que tem. Queremos sim mais recursos na educação, mas queremos também gastar melhor os recursos que já temos. Temos orçamento anual definido e dentro desse orçamento, nos gastos que a secretaria tem hoje, já localizamos onde podemos economizar para fazer essas mudanças. E muita economia já foi feita.

Euler de França Belém — Onde?

O principal exemplo, 87% do gasto é com pessoal e havia uma discrepância, muitos professores não estavam em sala de aula — já falei disso aqui antes —, estavam em outras funções, e isso me obrigava a contratar professor temporário para pôr no lugar. Fizemos um trabalho para que esses professores voltassem para a sala e isso já representa grande economia.

Cezar Santos — Então, resumidamente, R$ 200 milhões estavam sendo desperdiçados anualmente na Seduc?

Exatamente. Fizemos uma otimização de gastos. E o principal ponto de desperdício é na folha. Quando a professora Eliana França era secretária, a média era de 7 mil professores temporários. Na última gestão pulou para 15 mil, número que havia no final do ano passado. No primeiro mês deste ano, baixamos para 10 mil. Agora estamos com cerca de 7 mil e o objetivo é chegar a 5 mil. Olha só a economia...

Elder Dias — Mas se esses professores estavam em desvio de função, não está faltando pessoal administrativo na Seduc?

Historicamente falta. Mas o problema é que o professor não era valorizado por estar na sala de aula. É uma distorção.

Herbert de Moraes Ribeiro — A presidente do Sintego diz que há funcionários administrativos ganhando menos que o salário mínimo...

De forma geral não, isso eu garanto. Pode ter situação isolada de algum servidor nesse caso, teria que ver.

Herbert de Moraes Ribeiro — Seu plano contempla a valorização do pessoal administrativo?

Era preciso começarmos pelo lugar que entendemos ser o mais importante, que é a sala de aula, onde o aluno aprende. No final do dia o que conta é se o aluno teve acesso ao conhecimento e se aprendeu ou não. É o lugar que faz a diferença.

Herbert de Moraes Ribeiro — A sala de aula se sustenta num estrutura administrativa, por professores motivados e por uma estrutura física adequada.

Por isso pensamos no todo. Sobre a rede física, hoje temos carência muito grande. Das 1.095 escolas da rede estadual temos de reformar mais de 440. No plano tem o programa Edificar, que consiste em construção de escolas, especialmente no Entorno de Brasília e região Metropolitana de Goiânia, reforma de unidades e no processo de manutenção dessas escolas. Isso para garantir as condições básicas para o aluno ter aula. Temos 100 escolas em reforma, algumas já concluídas. Outro fator importante, dividimos os caminhos que alguém pode seguir na carreira dentro da secretaria. O professor pode ser regente e ser valorizado por isso. Não vai ter de deixar de ser professor para ter uma boa remuneração. Ele na sala de aula terá boa remuneração.

Herbert de Moraes Ribeiro — Não seria suficiente pagar o piso nacional ao professor? Goiás vai pagar o piso?

Vamos pagar o piso, é uma prioridade em todo esse processo.

Elder Dias — Quando será pago?

O piso hoje custa a Goiás R$ 500 milhões por ano. Então vai ter de ser um esforço não só da Seduc, mas do governo do Estado. Mas para pagar é preciso ter dinheiro em caixa. Já vimos onde podemos economizar para fazer uma série de ações, entre elas o pagamento do piso, que é um compromisso reforçado a todo o momento, mas dada a dificuldade financeira com que pegamos o governo, não conseguimos fazer ainda.

Euler de França Belém — E discussão está muito economicista, mas como vai realmente melhorar a educação? Quais os métodos? Na Coreia aumentou o número de aulas, o acompanhamento é mensal etc.

O forte do nosso projeto é o pedagógico e está dividido em dois pilares. O primeiro, valorizar e fortalecer o profissional da educação, mas não só no aspecto financeiro. A ideia é criar uma escola de formação continuada para os professores, um centro de inteligência que vá trabalhar essa formação de forma contínua. Em qualquer lugar, para ter avanço educacional, precisa qualificar o professor. Essa escola vai ser no IEG, que será uma escolar regular e mais um espaço dedicado à formação dos professores. Com o aspecto de formação, é importante ter diagnóstico. Vamos criar em Goiás o nosso índice de desenvolvimento educacional, anual. Mas já temos uma avaliação bimestral que mede se o aluno está avançando ou não. Então ficamos sabendo por escola, por região. Se em determinada região os alunos tiverem deficiência em matemática, por exemplo, a formação dos professores será focada nessa disciplina. Isso é importante, porque para saber aonde vamos precisamos saber onde estamos. Outra coisa importante é a academia de lideranças. Em escola que tem diretores ou líderes fortes os alunos tem melhor aproveitamento. É a questão da gestão escolar, na qual estamos pondo foco. Já temos ações nesse sentido.

Herbert de Moraes Ribeiro — É questão de competência?

Diria que é qualificação e competência. O líder tem de saber o que é ser um bom gestor, tem de ter acesso a essa formação.

Herbert de Moraes Ribeiro — Os representantes dos professores foram convidados para formulação desse projeto?

Tínhamos de apresentar as propostas. No nosso cronograma agora começa o processo de discussão, como já falei. Vamos percorrer todas a subsecretarias do Estado, conversando com os professores, com pais de alunos...

Herbert de Moraes Ribeiro — E o Sintego?

Vamos conversar com todo mundo, colhendo sugestões e ouvindo críticas. A validação do plano começa agora. Nesta segunda-feira estaremos em Catalão numa grande audiência pública para discutir o plano.  Na quinta-feira estaremos em Rio Verde e Jataí, no sábado vamos a Inhumas e Itaberaí, e por aí em diante. Vamos ouvir todos. Repito, esse plano só tem sentido se for validado pela sociedade e em especial pela comunidade escolar. São cem dias para discutir isso da forma mais ampla e democrática, ouvindo críticas e sugestões e fechando esse caminho.

Elder Dias — Não teria sido melhor se o Sintego tivesse participado da construção das propostas?

Isso são os pilares e agora eles terão acesso a tudo, vão poder sugerir o que acharem conveniente. Mas para que a discussão não fosse eterna, tínhamos de ir com os pilares definidos, foi o que fizemos. Se não fosse assim ficaríamos discutindo um plano durante quatro anos.

Cezar Santos — O sr. diz que serão cem dias para validar o plano. Então só vai valer para o na que vem?

Muitas ações já começaram. Alguns pontos não dependíamos de recursos. Por exemplo, diagnóstico bimestral, já começou a ser feito. Processo de formação de professores já começou. Formação do gestor escolar já mudou. Antes era só um item, que era a escolha da comunidade. Agora colocamos uma série de outros pontos, e quem quer ser diretor tem de fazer um curso de gestão escolar que oferecemos. Ele faz prova, se passar apresenta um projeto para a escola aí sim, a comunidade escolhe o projeto como melhor e ele se torna o diretor. Além disso, ele vai fazer um curso de pós-graduação em gestão escolar com base em estudo de casos de boa práticas. Temos preocupação com a formação continuada do professor conectada com a realidade da escola. Ouvimos muito de especialistas, e concordamos com isso, que muitos professores vêm com formação muito teórica, ideológica, e não com prática de sala de aula.

Herbert de Moraes Ribeiro — Essa análise também não é política, culpabilizar o professor por tudo? O governo não tem culpa, não faltam investimentos? Vão preparar o gestor agora porque são despreparados, mas eles não estão lá porque fizeram concurso?

Eles estão lá e 90% dos nossos alunos estão sem conhecimento básico de matemática. Tire suas conclusões.

“Já começamos a reformar 100 escolas”

Herbert de Moraes Ribeiro — A conclusão que tiro é do estado em que se encontram as escolas, que não oferecem condições aos professores...

Aí se volta ao ponto em que já falei, um dos itens fundamentais do nosso plano é a infraestrutura das escolas. Já começamos 100 reformas...

Herbert de Moraes Ribeiro — Não há como o professor entrar na sala e não ter quadra, não ter água, não ter banheiro, não ter carteiras, não ter biblioteca. De repente fala o grande problema é de gestão. Então a culpa é do professor?

Não falei isso em nenhum momento. Primeiro, concordo que temos de passar por uma grande mudança de infraestrutura, isso é indiscutível e está no plano. Segundo, o principal ponto da reforma é valorizar e fortalecer o profissional da educação. Não vamos avançar em nada se o principal agente dessa mudança não estiver integrado.

Herbert de Moraes Ribeiro — E se ele também não tiver lugar para trabalhar.

Já falamos disso aqui. Mas o mais importante é o pedagógico, o que tem relação mais forte com a aprendizagem. Há uma série de itens e o primeiro é que temos de ter um currículo de referência, que defina o mínimo que cada aluno tem de conhecer.   

Herbert de Moraes Ribeiro — Caso contrário o professor é demitido?

Não, não existe isso. Professor tem estabilidade.

Herbert de Moraes Ribeiro — No projeto fala que quem não corresponder será demitido.

Em período probatório, não é no nosso plano, é em qualquer órgão público, o professor não tem estabilidade. Ele tem de fazer nesse período uma série de avaliações, não é só professor, e qualquer funcionário público.

Herbert de Moraes Ribeiro — A presidente do Sintego diz que o plano joga no professor a culpa pela má educação e ameaça com demissão.

O que vamos fazer é o seguinte, durante o período probatório, o professor vai passar pelo que chamamos de residência, vai ter uma relação mais próxima com os professores mais bem avaliados, para que esse professor sirva como tutor, como referência. Em nenhum ponto do projeto se fala em demitir professor. Até porque ele tem estabilidade.

Herbert de Moraes Ribeiro — A presidente diz que no plano que ela só tomou conhecimento pela mídia, há um discurso de culpabilização do professor.

Não vou entrar nessa discussão, sobre o que a presidente acha ou não, não é o meu papel. Voltando à questão do currículo, é importante que o aluno do nordeste tenha acesso ao mesmo conteúdo mínimo do aluno do sul do Estado — tem uma parte do currículo que é móvel, lógico. Isso faz parte do pano, o que não existe hoje em Goiás. Outro ponto fundamental é o tutor pedagógico, um professor responsável pela questão pedagógica. Eles fazem um acompanhamento de aprendizado em quatro escolas. Isso para não deixarmos para o mês que vem o que podemos saber nesta semana. Ele visita semanalmente a sua escola, conversa com professores, com coordenador, com diretor, com alunos para saber se de fato o estudante está tendo acesso à aprendizagem que deve ter. Tudo o que fazemos aqui é para não chegar ao final de ano, ou de dois em dois anos como temos com o Ideb, e descobrir que está tudo errado, que foi tudo mal. Estaremos medindo mês a mês para ter certeza de que o caminho está certo. E se estiver errado, conseguimos corrigir em tempo.

Euler de França Belém — No Brasil se discute o mau aluno, e não o bom aluno. Em alguns países se premia o bom professor e o bom aluno. Vocês vão fazer isso?

Vamos. Existe uma série de medidas que chamamos Reconhecer. A  primeira é termos esse índice para saber se de fato o aluno está indo bem ou não. Aí se justifica a criação do Idego. Já criamos em Goiás um bônus por desempenho, por assiduidade. Criamos esse bônus para quem estava em regência por causa da distorção de haver muito professores fora de sala de aula. Com isso valorizamos quem está na sala, o professor em regência com assiduidade ganha no final do ano um bônus de R$ 1,5 mil. Nas próximas etapas desse bônus entra a medida do desempenho do aluno, medido pelo índice. Aí o professor terá parte de seu bônus como referência no desempenho do aluno que ele ensina. A gente quer que o bom professor seja reconhecido e valorizado, seja premiado. Mas não queremos isso só no aspecto financeiro, com bônus. Temos um programa de reconhecimento social chamado educadores do ano, que é ver as melhores práticas educacionais no Estado e premiar os professores com benefícios diferentes, como intercâmbios. O principal aspecto é o reconhecimento desse bom professor perante a sociedade. Então temos o aspecto financeiro que é fundamental, mas também o reconhecimento social. Isso é importante inclusive para atrair mais professores para o sistema. E também tem o prêmio financeiro para a escola que mostrar boas práticas. Esse prêmio também foi lançado há um mês. E tem ainda a poupança para os alunos. Os 5 mil melhores estudantes do Estado vão receber uma poupança de R$ 1 mil. Foi o governador que defendeu esse incentivo, por entender que essa linha de mérito é um grande incentivo para mudar o processo educacional em Goiás. Outro pilar do plano aborda a questão da desigualdade educacional em Goiás hoje. Há regiões ricas, onde se poderia dizer que tem educação de qualidade e não tem. E outras regiões consideradas vulneráveis que estão bem. Queremos gerar uma igualdade de oportunidades educacionais para todos os alunos. Há programas de incentivo para que isso ocorra, para criar uma teia de colaboração na rede escolar.

Elder Dias — Como é lidar com professores que em grande parte não tiveram boa formação pedagógica? Vê-se que chega às licenciaturas quem não passou em cursos para profissões liberais, por exemplo.

Primeiro, temos uma rede de 29 mil professores efetivos na rede e um programa de formação continuada. Então existe ação forte para oferecer mais qualificação a esse professor com base no diagnóstico que temos dos alunos.  É uma ferramenta de qualificação. Tem outro aspecto, como atrair para a carreira de professor os bons alunos que estão no ensino médio hoje?

Elder Dias — Imagine, um aluno do WR prestar vestibular para Matemática...

O ponto fundamental é valorização do plano de carreira do docente. A proposta é que o salário inicial do professor seja muito mais atrativo do que é hoje. A remuneração tem de melhorar em todos os aspectos, mas um salário inicial bom serve para atrair gente. E hoje criou-se na sociedade a imagem do professor coitadinho, o que é muito ruim. Tem de ser quebrada essa imagem. Quebra-se isso com o processo de reconhecimento dos bons professores que temos. Aí entram os prêmios financeiros e o reconhecimento social. Exemplo prático, no dia que lançamos o plano, demos uma medalha de reconhecimento às escolas que tiveram as melhores notas do Ideb. Uma delas é uma escola de Bela Vista [Escola Estadual José Pontes de Oliveira, diretora Roberta Martins de Lima], que está entre as seis melhores do País no aspecto de gestão. Em novembro ela concorre para ser talvez referência nacional. É uma escola de placa, do ponto de vista de infraestrutura tem dificuldades, mas existe um trabalho liderado por uma gestão forte e comprometimento dos professores que levaram essa escola a dar um salto de qualidade. Tem escolas boas nessa situação. Tem professores que devem ser reconhecidos. O reconhecimento ajuda a mudar uma realidade ruim. Vamos começar a corrigir essas distorções, mas é algo histórico, a sociedade não vai passar a ver o professor de forma diferente de um ano para o outro, é um trabalho de longo prazo. 

Cezar Santos — Onde foram percebidos itens de excelência na rede?

Euler de França Belém — Por que os colégios militares se sobressaem?

Método de gestão. Eles sabem o que tem de ser feito e cumprem. No nosso plano não tem nenhuma ação que seja reinvenção da roda. São ações já testadas em diversos lugares do País e do mundo e que deram resultado. As escolas militares conseguem fazer isso, eles têm bom método de qualidade e conseguem bons resultados. Quando se tem liderança e gestão diferenciada se consegue avançar.

Herbert de Moraes Ribeiro — Não é mérito do professor também?

O professor que está na escola militar é o mesmo das outras escolas, com a mesma formação. Ninguém escolhe o professor de lá.

Herbert de Moraes Ribeiro — E o processo de disciplina?

Tem o método de disciplina que eu não acho nada demais.

Cezar Santos — E a escola de tempo integral, está avançando?

Temos uma rede de 123 escolas de tempo integral, mas entendemos que tem de haver um novo modelo. Precisamos de mais apoio tanto na infraestrutura quanto no aspecto pedagógico. Antes de aumentar o número, queremos torná-las referência. Enquanto não conseguimos multiplicá-las, estamos criando a figura da educação em tempo integral, ou aluno em tempo integral, não necessariamente dentro da escola. Isso é dar ao aluno fora da escola acesso a uma série de formações, como cursos de idiomas e profissionalizantes, esportes, atividades variadas que venham a complementar o trabalho da escola.

Herbert de Moraes Ribeiro — O governador Marconi Perillo prometeu informatização de todas as unidades. Já é fato?

São poucas, talvez 2% das escolas, que não tem os laboratórios de informática. Mas tem um item no plano que não é simplesmente de tecnologia, é mais pedagógico no sentido de usar novas tecnologias, novas mídias para o ensino. A ideia é que a partir do ano que vem, de forma gradual, os alunos e professores vão começar a receber um computador netbook. Mas muito mais que computador, será computador com muito conteúdo pedagógico.

Herbert de Moraes Ribeiro — Isso foi uma promessa do governador? Foi atendida?

Isso está no plano e a gente começa a atender no ano que vem. Neste ano fizemos alguns projetos pilotos com parceria com o governo federal. A partir desses pilotos agora temos condições de começar esse processo na rede.

Herbert de Moraes Ribeiro — Voltando à questão do custo do plano, R$ 600 milhões em três anos. Esse valor dá para realizar essa reforma que tem uma ambição de se chegar quase que a um modelo ideal de educação?

É suficiente. Mas tenho de falar de um aspecto. Dentro do que propomos a verba é suficiente, mas muitas coisas podem ser alteradas a partir de agora. Com as discussões, as sugestões, podem haver alterações que vão impactar a proposta. Dentro do planejado, a verba dá para fazer, mas pode mudar muita coisa. Podemos começar a discutir a carreira dos professores e isso não ser do jeito que estou propondo. Dentro do que está planejado, é isso.

Herbert de Moraes Ribeiro — Não se pode fazer qualquer trabalho de investimento, inclusive na educação, sem recursos. O orçamento do Estado está comprometido e a Secretaria da Fazenda fala em contenção de despesas. Não há como não falar das condições reais do governo, apesar da determinação política em fazer um plano desses. Com 97% da renda comprometida, haverá condições de executar esse projeto?

Sim. Só apresentamos esse projeto depois de uma análise rigorosa do ponto de vista financeiro, dentro do que está previsto para a educação no orçamento dos próximos anos. Não há nada aqui que não tenha sido pensado. Mas, como eu disse, esse plano está sujeito a modificações. Dentro das discussões, ele pode deixar de ser um plano de R$ 600 milhões para ser um de R$ 800 milhões. Aí sim, a gente vai ter de sentar e buscar formas de investir mais R$ 200 milhões. Vejo uma disposição muito grande do governador em implementar esse projeto. Quando se fala que esse plano pode custar caro, na minha visão, “caro” é não fazer esse plano.

Euler de França Belém — Não precisa, então, do governo federal?

Nós temos apoio do governo federal em muitos aspectos. Hoje há uma relação muito boa entre a Secretaria e o MEC (Ministério da Educação). Há recursos mensais da União destinados à educação e existe um apoio muito grande do ministro Fernando Haddad, com quem esses dias tivemos uma audiência, eu e o governador. Mostramos a ele, inclusive, uma preocupação em especial com a região do Entorno do Distrito Federal. O ministro se comprometeu e pediu que levássemos a esse um plano de investimentos nessa área, para que o ministério assume a parte que lhe cabe. Então, com o MEC, há uma relação ótima e de total apoio. O que existe hoje, uma dificuldade nacional, é na divisão dos investimento na educação. Hoje, o País investe 5% do PIB em educação. Desse total, 2,02% quem investe são os Estados e o Distrito Federal; 1,98% são investidos pelos municípios; e o governo federal é responsável por 1% do total. Só que, ao mesmo tempo a União responde por 70% da arrecadação. Então, nós percebemos esse desbalanceamento. O governo federal deveria investir mais em educação. Quem mais arrecada é quem menos investe.

Cezar Santos — Voltando à questão do plano, o sr. diz que já há cerca de cem unidades em  reforma. Em sua gestão já tem unidade que já foi concluída essa reforma?

Sim, tem, até porque já existiam escolas que estavam sendo reformadas quando assumimos. Até o fim do governo, a meta de reforma será cumprida. Mas, além de reformar, queremos evitar a degradação, porque não adianta reformar e, no ano que vem, precisar de novos reparos.

“Nosso plano prevê bônus para professor e aluno”

Euler de França Belém — As prefeituras vão participar desse processo?

Nossa ideia não é só levar esse plano para nossa rede, é para todo o Estado, sem diferenciar o aluno do município do aluno do Estado. No fim, é um aluno goiano. Há um trabalho de colaboração com todos os municípios nesse aspecto. Algumas dessas ações vamos nos colocar à disposição deles para fazer e outras vamos financiar. Essa parceria é fundamental. Um projeto interessante em relação a isso engloba o porcentual do ICMS que vai para os municípios. Dentro desse porcentual, há uma composição da qual podem-se mudar os critérios. Um dos critérios que queremos alterar é para que os municípios que tenham maior compromisso com a educação passem a receber mais recursos desse ICMS. Seria o ICMS educacional, à semelhança do que já ocorre com o ICMS ecológico.

Herbert de Moraes Ribeiro — Sobre professores concursados que ainda não foram chamados, há alguma perspectiva nessa área?

Vou repassar um dado importante: temos, na rede estadual, 600 mil alunos e 29 mil professores. Se fizer uma conta simples, é fácil perceber que há professores suficientes, 1 para cada grupo de 20 alunos. O déficit não é no número total de profissionais. A deficiência é localizada, em algumas áreas, especificamente na de Exatas, para professor de física, matemática etc. É preciso ter um levantamento preciso, para fazer concurso em áreas onde de fato haja déficit. Mesmo porque, em outras áreas, há inclusive excedente de professores. Esse diagnostico já está sendo feito.

Cezar Santos — E sobre concurso para o pessoal administrativo da educação, que é uma bandeira do sindicato?

Concurso para administrativos é um ponto fundamental e vamos fazer. A proposta é um foco maior na finalidade da educação. Existem algumas áreas que demandam muitos profissionais e podem ser terceirizadas. Por exemplo, cada escola tem três vigias noturnos e percebemos que se conseguirmos colocar segurança monitorada nas unidades, teremos redução de contratos temporários desses servidores e também redução pela metade com a segurança no todo de cada escola.

Elder Dias — Vai ter meritocracia também para os administrativos, nesse plano?

Planejamos bônus para os servidores, pois a construção do processo na escola envolve os professores, mas também há toda uma participação dos administrativos também. Em uma segunda etapa do bônus, pretendemos que estejam fazendo parte os servidores da secretaria como um todo.

Euler de França Belém — O sr. falou em computadores. E as bibliotecas? Em escolas públicas, elas sempre foram negligenciadas. Nelas só têm livros didáticos, para impressionar as pessoas. Mas o aluno procura um livro de Monteiro Lobato e não tem.

Vou lhe dar uma notícia boa então. A biblioteca não pode ser só um lugar onde se guarda livros. O professor e o coordenador pedagógico da escola precisam estar preparados para usufruir esse potencial que está ali. Estamos preparando, qualificando esse pessoal nesse sentido, para que a biblioteca da escola não seja um lugar cheio de livros com alguém sentado. Com relação a Monteiro Lobato, a secretaria está fechando uma parceira para, até o início do ano que vem, cada escola do Estado receber alguns volumes do autor. Mas é preciso saber utilizar a biblioteca como portal de conhecimento, de fato.

Euler de França Belém — O jornalista José Maria e Silva escreveu esta semana [semana passada] um texto interessante sobre as Apaes, em defesa da instituição.

Acho que a gente não está em momento de acabar com nada que dê respaldo e apoio social. Não vejo por que acabar com um suporte desses.

Euler de França Belém — Falando em crianças que necessitam de ensino especial, como fica a situação delas na escola? Há uma reclamação de que elas não têm professores suficientes.

Ocorria mais uma distorção. Temos a maior rede de apoio a alunos especiais do País. Mas começou a ter, para cada aluno especial, um professor de apoio. E isso não é a recomendação. Muitos estudos mostram que, até para não ferir a autonomia desses alunos, é preciso que haja um professor para cada dois, três, às vezes até quatro alunos. Obviamente, tem aluno que precisa, realmente, do cuidado exclusivo de um professor, mas a maioria, até para se desenvolver, é importante que haja mais alunos com ele acompanhados pelo mesmo professor. Aqui na rede, tínhamos alunos que não eram alunos especiais que tinham professor de apoio. Por exemplo, alunos com dificuldade de aprendizagem. Essa dificuldade tem de ser resolvida com outra ação, não com professor de apoio.

Herbert de Moraes Ribeiro — Próximo ano é ano de eleições. Esse projeto da educação pode ter um objetivo eleitoral?

De forma alguma. Até porque é um projeto de mudanças e, quando se fala de mudanças, gera-se desconforto, geram-se polêmicas. Se tivesse algum objetivo eleitoral, não estaríamos fazendo essas mudanças.

Euler de França Belém — E sobre a nota do Ideb na porta da escola, como tem sido a reação?

Na escola, a reação tem sido muito boa. A comunidade também tem reagido muito bem. Existem teóricos, acadêmicos que são contra, mas estamos caminhando e a escola entende bem o que é a nossa proposta.

Elder Dias — Como fica o Idego em relação ao Ideb? Corre-se o risco de haver uma distorção entre os índices?

O Idego será censitário, todos os alunos da rede estadual vão fazer. No Ideb, só o ensino médio é censitário. Uma diferença é de que o Ideb é a cada dois anos e o Idego será todo ano, não podemos ter esse espaço tão grande, porque queremos ir medindo o avanço. Uma coisa importante que quero dizer é que a educação grita por mudanças. Não vamos promover uma revolução, uma transformação, na educação deixando as coisas como estão. A mudança, de uma forma geral, gera desconforto, tira as pessoas da zona de conforto e gera polêmica, mas é necessária. Estou muito mais disposto a conviver com as mudanças do que a conviver com os resultados que temos hoje. É um processo difícil. Não é um projeto popular, do ponto de vista de que enfrenta muitas barreiras, mas não tem nada pior do que os resultados atuais. No País inteiro há boas iniciativas ocorrendo, mas não existe, nacionalmente, nenhum plano consistente. Ouso dizer que o primeiro plano nacional de reforma de uma rede é o que estamos fazendo, pensando o todo — infraestrutura, carreira, merenda etc. O desgaste já é gerado pela própria implantação do plano. O que não posso fazer é, como secretário, ficar me escondendo atrás do que seria popular